terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Um texto com memórias tão comuns a cada um de nós...
( Lúcia Santos,pág.3; Edição Apei (janeiro/abril2013)


“A casa dos meus pais onde vivi em criança ficava numa rua com uma fileira de casa só de um lado. A meio da rua, a mercearia da senhora Maria, numa ponta, um monte com algum mistério, e a seguir, outra fileira de casas. Do outro lado da estrada, saltando o muro ou subindo a ribanceira, um enorme campo de ervas onde caçávamos e aprisionávamos grilos e fazíamos bolos de lama aproveitando as poças de chuva mais resistentes. Havia algumas oliveiras, perfeitas para trepar, saltar dos ramos e ver quem atingia a distância maior para atar cordas e fazer baloiços. A seguir, um pinhal! Falta acrescentar que a rua era ligeiramente inclinada e de alcatrão. Ainda é, mas hoje já não se vêem carros de rolamentos a rolar por ali abaixo, ninguém sente a adrenalina da descida nem leva joelhos esfolados no asfalto para casa. Apenas os carros circulam para cima e para baixo.

Mas o pinhal era o grande desafio, primeiro luminoso, depois cada vez mais denso e escuro. Avançávamos em grupo, imaginando homens do saco, malfeitores, mas sobretudo os soldados do Príncipe João que perseguiam os bons, os livres e os justos pela floresta de Sherwood. Avançávamos corajosamente munidos de espadas, fisgas, arcos e flechas. Tínhamos um enorme arsenal destes artefactos bélicos construídos depois da escola, muitas vezes às escondidas, ou imaginávamos nós que era às escondidas mas na realidade não era, e nunca sem ouvir um ralhete mais aceso porque devíamos estar a fazer deveres de casa. “ As crianças têm que brincar! “, ouvia-se. Nada mais verdadeiro! E brincávamos. Nunca chegámos a vias de facto com os homens do Xerife de Nothingham: eles fugiam quando pressentiam a nossa presença.

Éramos os reis da floresta, e tínhamos aquele sentimento de estar bem uns com os outros e com a vida. Hoje vemo-nos pouco, crescemos, todos temos as nossas vidas moderna e atarefadas, mas quando nos encontramos somos os amigos de sempre, exploradores de territórios desconhecido e improváveis e ainda capazes de escolher o melhor galho para limpar com a navalha e fazer um arco e flecha. As culturas da infância mudam com o tempo, mas a Natureza continua lá com um manancial inesgotável de sensações e experiências, de descoberta e bem-estar a que é indispensável regressar.”
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